sexta-feira, 18 de julho de 2008

Labirinto dos meus sonhos.

Uma bela casa debruçada sobre uma das mais altas regiões do Município de Pilões, com olhar fixo para o norte, na fronteira com o Município de Serraria. A divisa dos dois Municípios - a estrada - passa logo ali, a vinte metros da parte frontal da Casa Grande do Engenho Labirinto. Casa em que, às onze horas e trinta minutos - segundo contava minha querida mãe - da noite do dia sete de setembro de 1959 eu vim ao mundo.

Após um dia de trabalho na Casa de farinha da propriedade - em que preparava farinha, beijú e goma para a viagem à João Pessoa, onde eu deveria nascer - mamãe entrou em trabalho de parto. Nasci sem auxílio de um profissional. Meu cordão umbilical só foi cortado três horas após o nascimento. Eu que já era mais "escuro" que os outros irmãos fiquei com a cor da pele ainda mais acentuada com a demora no parto.
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A casa de frente para o norte - uma construção de 1925 no estilo colonial, feita com tijolos e telhas manuais - tinha bastante espaço interno onde eu e meus irmãos podíamos brincar e nos divertir com bastante comodidade. Na frente, um amplo salão com piso de madeira onde meu pai mantinha um "bureau" e um cofre compondo uma espécie de escritório do engenho. Umas cadeiras fabricadas com cordões de papel completava o conjunto do espaço. Quatro janelas que contemplavam a estrada que passava em frente a casa e duas portas, uma em cada lado, contribuíam para dar a impressão de que o salão era ainda maior. Abaixo do salão encontrava-se o porão. Um lugar sombrio onde papai guardava suas tralhas. No nosso imaginário infantil esse era um lugar perigoso, mal-assombrado. Lugar em que não ousávamos ir sozinhos. O salão era também o lugar onde brincávamos de pular corda, "jogar castanha", balançar em redes. Era um lugar mágico que não sai dos meus pensamentos.

Duas salas, uma de jantar e outra de estar, com janelas que davam para um alpendre na lateral direita da casa. A sala de estar, bem pequena, era mobiliada com um conjunto de cadeiras de madeira na cor escura. Também tinha uns quadros de imagens sacras. Inclusive uma que, dependendo da posição do observador, aparecia a imagem de um santo diferente. Na sala de jantar, um pouco mais ampla, ficava uma cadeira de balanço feita com cordões de papel; uma cristaleira repleta de copos de cristais e, sobre a mesma, um rádio da marca ABC canarinho que nos trazia as notícias do mundo (ainda guardo tênues lembranças da copa de 62 trazidas pelo velho ABC). Uma mesa com seis cadeiras, quase nunca usada, ficava bem no centro da sala. Só era utilizada para receber visitas importantes.

Uma ampla cozinha - com um fogão a lenha, uma pia toda azulejada e uma ampla mesa de oito cadeiras - era o lugar mais usado da casa. Ali fazíamos todas as nossas refeições. Uma velha "petisqueira" completava a mobília da cozinha. Da "petisqueira" jamais poderia esquecer. Certo dia - quando ainda contava meus anos em uma única mão - tentei pegar um copo. Como era bem mais baixo do que sou agora em que preciso das mãos dos meus cinco irmãos para contar meus anos, me apoiei na infeliz mobília. Oh! que susto. Aquele móvel acanhado, estreito e alto se agigantou ainda mais diante de mim. Tudo veio abaixo num piscar de olhos. Foi um barulho ensurdecedor. Lá se foram todos os copos, xícaras e pratos de minha querida mãe. Ainda hoje sinto aquela dor fina na orelha de quando mamãe tentou me avisar que eu acabara de cometer um ato imperdoável. Além da dor fina, tive que encarar um dia todo de pé, ao lado do guarda-roupa que ficava no quarto de costura.
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Colado à cozinha, tinha uma despensa onde mamãe guardava os mantimentos. Havia também um alpendre nos fundos da casa onde eram realizadas as tarefas mais grosseiras do dia a dia da casa. Era uma verdadeira festa o dia em que papai chegava da Feira de Guarabira com os burros carregados de compras. Entre estas, a que mais me trás recordações é a lata de biscoitos confiança. A briga entre eu e os meus irmãos na disputa pelos biscoitos "champion" era muito "feia". Uma outra disputa, esta mais amena, era pelos biscoitos de maisena em forma de letras. Foram nossos melhores anos, aqueles em que ainda éramos uma família completa: Papai, Mamãe, Totinha, Dinda, Cleanto, Eu, Herminho, Conca e a caçula Queca.

Quatro quartos completavam o conjunto da construção. Três deles dispunham de uma janela e uma porta que davam para um alpendre que ocupava toda a lateral esquerda da casa. O outro - usado por mamãe para fazer suas costuras, e onde as empregadas da casa dormiam - só tinha uma janela que dava para um espaço vazio.

O banheiro ficava numa construção à parte, bem afastada da casa. Era o costume da época em que a casa foi construída. Entre a casa e o banheiro havia um piso de tijolos manuais sem revestimento. Por causa dessa distância é que todos os quartos dispunham de vasos de urinar, o lendário "Pinico". Como os quartos não tinham lajes nem forros, o som emitido durante o uso daquele antiquado objeto era ouvido em todos os quartos. Em nenhum lugar da casa havia forro ou estuque. As paredes divisórias se elevavam até certa altura, de forma que o que se falava em um dos cômodos era ouvido no outro. Os únicos cômodos sem comunicação eram: o quarto de costura e a cozinha.
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Outro detalhe que ainda se mantém vivo em meu imaginário: as camas, de madeira roliça e espelhos de grade, tinham no lugar do lastro uma malha de arames e molas que emitiam um barulho estranho todas as vezes que nos movimentávamos nela. Quantas vezes tivemos de levantar durante a noite para recolocar uma mola estratégica para o equilíbrio do colchão.
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Próximo à casa grande – no lado esquerdo do banheiro - havia uma construção onde Papai guardava a aguardente produzida no engenho. Lá, ele também dependurava cachos de banana maçã para amadurecer longe da cobiça dos ratos. Atrás dessa construção fica o galinheiro. Do lado direito da casa, um pouco afastado, ficava o prédio da bodega. Uma das salas desse prédio era ocupada por silos de grãos.

Um amplo “terreiro” ocupava toda a frente e lado direito da casa. Lá, eu e meus irmãos realizávamos a maioria das nossas brincadeiras de criança. Também, no período de São João, Papai erguia uma enorme fogueira naquele lugar, momento em que aproveitávamos para soltar “mijão”, “beijo-de-moça”, “estrelinha”, “traque” e etc., feitos por Mariano.

A entrada principal da casa era pelo lado direito, onde ficava uma escada externa à construção. Uns oito degraus nos conduziam ao alpendre direito do conjunto. Também tínhamos acesso ao interior da casa pelo lado direito e por trás da mesma.

O dia para nós começava cedo, antes das seis da manhã. A hora de dormir era ao cair do sol. A casa não dispunha de energia elétrica. Era iluminada por lamparinas e candeeiros à gás branco. A vela também iluminou muitos passos nossos naquela maravilhosa casa.

Foram dias felizes aqueles... Talvez por simples capricho da ingenuidade própria da idade, que nos desconecta do mundo real. Talvez pela família que éramos. Talvez pelo lar que possuíamos. Talvez pelos pais que tínhamos. Talvez pela paisagem que contemplávamos todos os dias. Talvez por todos os “talvezes”.

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