quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Por dentro da crise.

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Todo o santo dia os meios de comunicação do Brasil e do mundo "cospem" notícias dando conta do desmantelamento da economia mundial. É uma enxurrada de dados de difícil compreensão, e de termos igualmente incompreensíveis. Os engravatados que gerenciam a locomotiva econômica global tentam jogar a culpa nas costas dos líderes políticos mundiais. Estes, por sua vez, culpam os investidores, espécie de jogadores desse imenso teatro da globalização. Cá ficamos nós, pobres mortais, vitimados pela total falta de domínio do idioma "economês", em estado de inércia que justifica um velho provérbio popular - "se correr o bicho pega, se ficar o bicho come". De uma coisa não tenham dúvidas: vamos ser engolidos pela fera!

A crise já está sendo tratada como a mais grave do pós-guerra. Os sintomas lembram bem a grande depressão (clique aqui) que se iniciou no final dos anos 20 do século passado e que teve seu ápice em 1929 com a quebra da bolsa de Nova Iorque. A quebra da bolsa americana naquela época arrastou consigo toda a economia mundial. É bom lembrar que os Estados Unidos de 1929 ainda não tinham o peso que têm hoje na economia mundial. Também, a despeito dos dias atuais, a economia não tinha esta interação comercial que faz de cada país, um dependente da saúde do outro. A globalização é o diferencial nos dias de hoje. Se este fato vai amenizar ou agravar os efeitos da crise, só a história nos contará, e a história precisa de tempo para se manifestar.

A grande depressão do início do século passado também se iniciou nos Estados Unidos, se alastrou pelas bolsas mundo a fora, quebrou os grandes conglomerados empresariais da época, colocou governos à beira da loucura, derrubou os preços dos produtos em todo o mundo (o café, responsável por quase totalidade das exportações brasileira da época, perdeu metade do seu valor no decorrer da crise), levou muitas pessoas ao suicídio. O mundo todo ficou mais pobre e teve que recomeçar das cinzas. E não foi rápida a recuperação. Durou mais de uma década para que a economia mundial entrasse novamente nos trilhos. Ironicamente a economia liberal, que dava seus primeiros "grandes passos" naquela época, recorreu ao pensamento keynesiano para se safar da derrocada total. Logo Keynes* - que defendia a interferência estatal na economia, atitude que fere frontalmente o pensamento liberal de não intervenção - para salvar o embrião do que viria a ser o mundo globalizado de hoje. Mal saiu da crise, o mundo já estava em armas, envolvido no conflito mundial que moldou a geografia política de hoje. Mas isso é uma outra história, para um outro momento.

A globalização nem de longe lembra aquele embrião de 1929. Já é uma senhora madura que guarda em sua bagagem muitas vitórias, mas também tem em seu curriculo manchas difíceis de serem ocultadas. A economia, sua filha mais dileta, se esconde por trás de palavras incompreensíveis: commodities, derivativos, swap, hedge, subprime, debênture, etc., que fogem ao nosso conhecimento. O que se sabe, ou melhor, o que se vai sentir a partir de agora, com a falta de harmonia entre estas terríveis palavrinhas - não tenham dúvidas - vai ser debitado a todos nós. O cidadão comum, que não sabe nada do economês representado por estas palavras, vai pagar a conta.
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Muitos se perguntam se o Brasil vai sofrer com a crise. É certo que o País se encontra numa posição privilegiada no que se refere às reservas de moedas fortes. Também seus dados macro-econômicos são bons, a balança comercial vem de um longo período positivo e, principalmente, seu mercado interno vem numa crescente duradoura e sólida que, sem dúvida, fará a vez de um "air bag" na minimização do impacto da crise. É bom lembrar que a balança comercial brasileira se assenta num cardápio essencialmente de "commodities": justo o que mais perde valor e mercado em épocas de crise. A soja, o ferro, o milho, o trigo, o petróleo, etc., mercadorias produzidas e comerciadas por vários países, têm seus preços ditados pela economia mundial. São as chamadas commodities. Esses produtos vão sofrer os efeitos da lei da oferta e da procura que rege o capitalismo. A soja mais barata representa menor lucro ao produtor brasileiro e, por conseguinte, menor oferta de emprego no campo. Isso só para ficar no exemplo da soja.
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A queda de preço de determinados produtos causa desemprego no setor; desemprego em qualquer setor retira do mercado, consumidores de outros setores, que também passam a demitir. Carne, soja, ferro, alumínio, milho, açúcar, etc., produtos que compõem a balança comercial brasileira, vão perder em preço e demanda em nível de comércio internacional. As empresas que produzem essas mercadorias vão se adaptar à nova realidade via demissão. É o chamado efeito dominó a que nenhum país está imune.
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A crise já está aí. Que chamem o senhor Keynes.
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*John Maynard Keynes, economista britânico, defendeu o papel regulatório do Estado na economia. Seu pensamento científico foi fundamental na recuperação da economia mundial no pós-crash de 1929.

Um comentário:

  1. Matéria desse nível só é possivel se ler nas "páginas de economia" de jornais como: A FOLHA DE SÃO PAULO, JORNAL DO BRASIL, GAZETA MERCANTIL, dentre outros editados no Brasil, e nos melhores jornais dos Países de primeiro mundo.

    Parabéns pela matéria.

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