Foi com muito pesar que eu recebi a notícia do falecimento da professora Didi. Ela não foi de fato a primeira professora que eu tive, mas na minha memória ela surge como tal. Foi com ela que eu experimentei pela primeira vez a sensação gostosa de estar em um banco de escola, adquirindo conhecimento. Foi com ela que eu aprendi as primeiras letras, aprendi a ler.
Minha primeira escola, na verdade, foi uma que funcionava no engenho Labirinto. Escola essa que pertencia à rede municipal da vizinha cidade de Serraria. Mas minha experiência nessa unidade educacional foi tão traumática, que guardo na memória poucas coisas desse tempo - infelizmente entre esses guardados não está o nome da professora, que nada me ensinou. Não por culpa dela, como vai ficar claro logo abaixo.
Eu e meus irmão tínhamos, cada um, uma especie de 'ama' para cuidar da gente. Uma tia chamada Cleonice, filha do terceiro casamento do pai de minha mãe, era a minha 'ama'. Ela me acompanhava em tudo na vida. E a escola não ficou de fora desse "tudo". Quando eu fui matriculado naquela unidade escolar do engenho Labirinto, Cleonice também foi.
A escola era uma construção de sala única, com um espaço para recreação dos alunos, uma cantina e uma residência para a professora. Tudo isso abrigado sob um telhado de quatro água. O espaço para recreação ficava no meio da construção, separando sala de um lado; cantina e residência da professora do outro. A sala de aula não era muito grande, mas dispunha de duas janelas - na parte voltada para a estrada que passava logo à frente da escola - protegidas do sol por uma estreita varanda. Confesso que o conjunto era harmonioso e bem pensado para os padrões da época. Aquela bucólica unidade escolar tinha seu charme.
Dentro da sala de aula havia um quadro verdadeiramente negro e quatro fileiras de bancadas duplas, onde os alunos sentavam aos pares. A bancada era composta de assento e mesa para dois alunos em peça única. A parte que correspondia à bancada era ligeiramente inclinada na direção dos dois alunos que a ocupavam. Para que os lápis não rolassem no tablado da mesa, havia uma ranhura no topo onde os colocávamos. Também havia uma espécie de prancha de apoio logo abaixo da bancada, onde colocávamos nossas bolsas de material escolar - guardo na memória minha sacola branca de plástico leitoso com a marca NARCISO em letras garrafais - e lancheiras.
Naquela época, os alunos eram separados por sexo. Os homens ocupavam as duas fileiras do lado esquerdo de quem olhava para o quadro; as mulheres ficavam nas outras duas. Foi esse detalhe que marcou minha passagem naquela escola - ou não marcou... A classe, não só por ser única, mas também por está em uma pequena comunidade de pouquíssimos alunos, funcionava no sistema multisseriado. Como Cleonice também estava matriculada, ela participava das aulas. Acontece que nessa situação eu só queria sentar perto dela, no lado reservado às mulheres. Foi aí que eu fui apresentado ao fenômeno que hoje se chama 'Bulling'. Os outros alunos começaram a me chamar de mulherzinha, e eu, claro, coloquei para fora meu instinto pitibull (sic). O resultado de tudo isso é que meus pais me retiraram da escola e, no ano seguinte, quando meu irmão Herminho já tinha idade suficiente, nos matricularam na cidade de Pilões, na escola Don Santino Coutinho, onde fomos cair justo na sala da professora Didi. Essa passagem também explica o fato de eu e Herminho - um ano mais novo que eu - termos frequentado as mesmas salas de aula durante as nossas vidas escolares.
Dona Didi não só me ensinou a ler e a escrever, ela me transmitiu a paixão pela leitura e pelo conhecimento. Sou hoje muito do que aprendi com ela. Meus filhos não a conheceram, mas são indiretamente produtos da abnegação e do amor pelo saber que ela me repassou com desprendimento, desenvoltura e prazer.
Descanse em paz, minha querida professora dona Didi.
Nenhum comentário:
Postar um comentário