quarta-feira, 11 de setembro de 2013

TETÉU: UM CONTADOR DE ESTÓRIAS

Morre Tetéu, uma figura quase mítica da história recente de Pilões. Um contador de estórias fantásticas - nas quais ele invariavelmente se colocava no centro de vários acontecimentos dramáticos quando não hilários -, e um pescador folclórico.

Tetéu foi acometido de uma doença que o vitimou poucos meses após ser diagnosticada. Ele morreu no hospital Lauriano, em João Pessoa, na noite da última terça-feira, 10 de setembro, deixando esposa e filhos.

O nosso herói rodou o país em busca de trabalho. Numa dessas idas e vindas ele foi parar no Estado do Goiás, um verdadeiro vazio demográfico que nos anos 60 e 70 do Século passado recebeu pessoas de todo o país, estimulados por uma política do governo de Brasília com o propósito de promover a ocupação do Norte e do Centro-Oeste do país.

Eu o conheci nos anos 70, justamente quando ele voltava de uma dessas viagens ao Goiás, cheio de causos engraçados. Eu e outros jovens paramos para ouvi-lo contar, na esquina da Praça João Pessoa com a Rua Cônego Teodomiro, o que tinha se passado nessa viagem. Com aquela voz gutural que lhe era peculiar, ele passou a narrar suas aventuras por aquelas bandas:

- Eu sai de Pilões montado na carroceria de um Chevrolet marinete com boleia de madeira. Foram vários dias por estradas de chão batido, dormindo em rede armada entre dois paus, que deixava minha espinha "dorsá" parecida com um pau de berimbau. Agente fazia as necessidades num saco de papel e jogava na beira da estrada. A poeira era tanta que dava pra fazer um tijolo com a que ficava acumulada nos cabelos do nariz. Quando a gente cuspia só saia poeira. A comida era farinha seca com banana e rapadura de Boa-Fé: eu levava quase um "garajá" dela, bem amarelinha.

Cruzamos a fronteira do Estado do Goiás e ainda viajamos por mais de um dia até a fazenda onde íamos trabalhar. Ela ficava lá no meio da floresta. A gente só via mata, macaco e 'passarim'. Chegamos na sede da fazenda no cair da tarde.  Eu fiquei desconfiado com aquele lugar no meio do nada. Aquele negócio não tava me agradando nadica de nada, e fui dormir muito preocupado, por isso não consegui pregar o olho, só pensando.

No outro dia bem 'cedin' encostou um caminhão "veio" na porta do barracão, onde a gente passou a noite, para nos levar até o eito. No final da tarde o mesmo carro nos trouxe de volta. E foi essa pisada por mais de quinze dias. Aí eu fui saber do meu pagamento, que eles tinham prometido fazer toda semana e não cumpriram. Foi quando eu fiquei sabendo que não ia ter pagamento coisa nenhuma, e que eu devia me dar por satisfeito por ter casa, comida e transporte de graça.  O sangue sumiu da minha cara, mas eu me aguentei pra não piorar as coisas. Sai dali já matinando uma fuga. Não disse pra ninguém, mas eu não ia ficar ali por muito tempo. Os caras tavam brincando com minha cara.

Um dia eu acordei bem cedinho, com tudo ainda escuro. Vesti duas calças e duas camisas, calcei uma bota, enchi uma sacola plástica com farinha e rapadura que havia sobrado da viagem, peguei um facão rabo-de-galo e me embrenhei na mata fachada. Andei vários dias por entre onças e cobras que mais pareciam um rolo de bananeira. Procurava aquelas árvores de raízes bem grossas, onde fazia uma cama de folha de mato protegida com varas e dormia com os olhos bem abertos, com medo das onças me comerem. Fui parar numa estrada. Escolhi uma direção e comecei a comer chão. Foi assim por vários dias, até chegar num pequeno povoado onde contei o ocorrido e pedi ajuda. Peguei carona num jeep até uma cidade maior, onde apanhei um pau-de-arara que me levou até Brasília. Na capital do país eu peguei um ônibus até Pernambuco. 

Eu nem sei o que aconteceu com os outros que ficaram lá, na fazenda do Goiás. Só sei que eu escapei fedendo daquele inferno.

O nosso aventureiro terminou aquela epopeia com uma gargalhada de dentes cerrados - como costuma rir - e jogando os dois braços para o lado direito do corpo ao tempo em que dava uma passada para trás com a perna direita. O movimento saia numa sincronia tão perfeita que nem os melhores imitadores conseguiam repeti-lo.

Sua outra paixão era contar estórias de pescador. Ele próprio era um bom pescador. Numa dessas oportunidades ele me contou que certo dia estava pescando num açude da região e os peixes só faziam comer a isca e iam embora. Ele já estava ficando sem isca quando sentiu a vara de pesca vibrar. Agarrou o caniço com cuidado e... vaps! - " Eu dei uma mucica no infeliz que ele foi parar a quase cem metros de onde eu estava. A barriga do sem-vergonha estava cheia com minhas iscas. Era ele que me roubava as iscas desde que cheguei ao açude.

Estas e muitas outras estórias foram contadas de uma forma inteligente e singular por esse personagem que encantou gerações de piloneses. Pilonenses que como eu só guarda boas recordações dessa alma bondosa que nos deixou para sempre.

Repetindo as palavras do amigo: a vida deu-lhe uma mucica e o jogou lá no outro lado da existência cristã. Que Deus o tenha em sua Glória!




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