Tá na moda falar-se em patrimônio imaterial. Na Europa, Estados Unidos e em outras partes do mundo essa face da cultura humana desde sempre recebeu especial atenção da sociedade e de seus governantes. No Brasil, infelizmente, essa preocupação só se tornou significativamente forte depois da Constituição de 88, que pôs no seu texto o compromisso que Estado e sociedade devem ter com os diversos aspectos de sua cultura.
Já falei sobre esse assunto aqui no blog, mas nunca é demais repetir que o patrimônio cultural brasileiro compreende duas dimensões: a dimensão material (no caso de Pilões: engenhos, casas antigas, igrejas, praças, cachoeiras, 'acidentes' geográficos, etc.); e a dimensão imaterial (no caso de Pilões: festas, comidas típicas, maneira de fabricar cachaça, danças, poesias, contos, mitos, etc.).
Na vertente material, a cultura de Pilões acumulou grandes perdas, muitas vezes por obra e graça do destino, em outras, por completa e total insensibilidade da sociedade e de seus dirigentes. Eu enumeraria várias dessas perdas. Vou me ater a poucos casos, mas que guardam um significado muito forte, capazes inclusive de tornar clara a preocupação com o assunto.
1. O Prédio que abrigava a sede da Prefeitura Municipal de Pilões - de fortes traços coloniais, com quatro amplas janelas frontais - recebeu, em 1934, a visita do então Secretário da Fazenda e Obras Públicas do Estado da Paraíba, senhor Ernesto Geisel que viria a ser Presidente do Brasil. Durante a visita, o então Secretário, e primeiro-tenente do Exército Brasileiro, fez um discurso da sacada da Prefeitura de Pilões onde foi clicado para a história por um fotógrafo da época. O motivo da passagem de Geisel por Pilões foi uma tentativa de viabilizar um projeto de produção da seda no Brejo Paraibano (sericicultura). Como o Município tinha as características climáticas adequadas ao cultivo da amoreira (maior fonte de alimento do bicho-da-seda) o Governo da Paraíba mandou o seu principal Secretário a Pilões. O projeto não prosperou, mas restaram as fotos e o prédio famoso. Restaram, no passado mesmo! Porque as fotos sumiram, faz tempo; e o prédio, demoliram sem dó nem piedade.
2. Na virada do ano de 1899 para o de 1900 os coronéis que dominavam a política de Pilões mandaram erigir um monumento no centro do largo da Praça João Pessoa em alusão à "virada do século" (virada que só viria um ano depois, de 1900 para 1901). A obra ficou pronta ainda em 1889. Na noite de 31 de dezembro daquele ano a grande maioria da sociedade pilonense se reuniu em torno do pequeno obelisco para se despedir do que seria - para eles, naquele momento - o velho Século, e dar boas vindas ao novo. Foi a passagem de ano mais concorrida e animada da história de Pilões. O grupo político composto por Baracuhy, Cunha e Lira foi responsável pelo evento em data errada. Deu-se numa época em que Pilões, embora sendo um povoado maior e mais desenvolvido culturalmente, era distrito de Serraria. Poucos anos depois dessa grande festa, desavenças políticas provocaram a destruição daquele símbolo que pelas circunstâncias em que foi colocado de pé já era, por si só, um marco cultural do nosso Município. O Obelisco que hoje se vê no início da Praça João Pessoa de Pilões é uma réplica construída pelo ex-prefeito Marinésio Ramalho para a passagem do ano 1999 ao ano 2000. Mais uma vez os dirigentes municipais antecipam em um ano a virada de Século. Na verdade, a virada do Século XX para o XXI só aconteceria na passagem do ano de 2000 para o de 2001.
3. A perda mais grave e mais danosa para Pilões, nos dias de hoje, está em pleno curso. Trata-se da destruição dos Engenhos de Rapadura e suas construções centenárias. O INCRA (Instituto de Colonização e Reforma Agrária) - uma Autarquia Federal que desapropriou grande parcela dos 26 engenhos de rapadura de Pilões -, por omissão ou de forma deliberada age para que todo e qualquer símbolo que represente de alguma forma o passado seja erradicado das terras desapropriadas. Por conta dessa atitude irresponsável e mesquinha já vieram abaixo as Casas Grandes dos engenhos São Francisco e São Bento; as casas de máquinas (prédio do engenho) dos engenhos São Francisco, São Bento, Veneza, Poções, Cantinhos e Mercês. As demais Casas Grandes que ainda se mantém de pé não se sustentarão por muito tempo: todas estão de alguma forma com suas estruturas comprometidas pelo abandono.
A sociedade pilonense deve ficar alerta para o pequeno - mas, belo - conjunto arquitetônico da Praça João Pessoa. Alguns desavisados já começaram a deformá-lo... Pena!
A outra dimensão do patrimônio cultural de Pilões é de percepção mais complexa e requer, além de sensibilidade preservacionista, mais apuro na sua compreensão. Por ter características de certa forma abstrata, pede uma sensibilidade mais acurada. Daí advém o grau de perdas mais grave deste ramo do patrimônio cultural.
Escolhi o "mito" ligado à figura de Mestre Mineiro para poder chamar a atenção de todos para a problemática da preservação.
Mestre Mineiro era um cidadão pilonense - residente em algum lugar do Engenho Poções - que sofria das faculdades mentais e que em função da sua patologia imaginava enormes buracos à sua frente. Ele caminhava pelas ruas de Pilões - geralmente no centro da via - fazendo intermináveis mudanças de direção a fim de, na sua concepção, evitar cair no buraco que se abria à sua frente. Eram um acontecimento os dias em que Mestre Mineiro vinha a Pilões. Todos os jovens da minha idade - eu estava na casa dos dez anos - acorriam às ruas para ver aquela coreografia inusitada daquela figura esguia que já se incorporara ao folclore local. Achávamos, inclusive, que o lugar que ele morava era inacessível. Era um lugar místico. Isso - repito - na compreensão da juventude de então.
Pois é!...O "mito" de Mestre Mineiro se perdeu nas esquinas do tempo, como fatalmente vão se perder a poesia de "Antonho Macie"; a cerâmica da família "Vermelho" (de minha saudosa amiga dona Nina); o côco do veio Palmeira e seu fiel escudeiro, Cassimiro; o papangu de Bicho de Unha; o bumba-meu-boi de Zé Ginu, Zefinha e amigos; o bloco de carnaval de Teca. [...] Vou parar por aqui, pedindo desculpas a todos os outros pilonenses depositários de manifestações culturais de muito valor para Pilões e para mim. É que o espaço é curto - a memória do escrevedor também - e eu não quero tornar o texto mais enfadonho do que já me parece ser.
Fica aqui um apelo: precisamos remover os buracos das estórias dos nossos "mestres mineiros".
As informações aqui contidas foram colhidas oralmente no convívio com os mais velhos de minha cidade, dentre eles citaria: Sr. Edgar Correia de Menezes, Sr. Geraldo Sabino, ex-prefeito José Sales da Silva; ex-vice-prefeita Cristina Maria de Castro, Sr. Augusto Hermes de Castro, Sr. José de Gomes (sítio Queimadas), e outros.
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