sábado, 23 de maio de 2020

O REINO DA DINAMARCA.

FONTE: Google maps
Quem gosta de arte cênica, conhece bem a história da Dinamarca, pequeno país do norte da Europa, onde ocupa uma península e um conjunto de mais de 400 ilhas e ilhotas espalhadas pelos mares do Norte e Báltico, formando uma superfície de aproximadamente 45.000 quilômetros quadrados. Só como comparativo, o Estado da Paraíba ocupa uma área de aproximadamente 56.000 km².

É um pequenino belo país, com uma sociedade extremamente consciente dos valores que constituem uma verdadeira nação. São
mais de 5 milhões de habitantes que comungam de uma convivência social das mais avançadas do mundo. Eu estive lá, e pude constatar o quão é evoluído o Reino dos contos de Shakespeare.

O Reino da Dinamarca (monarquia parlamentarista - com um monarca Chefe de Estado, e um primeiro-ministro Chefe de Governo. Cargos atualmente exercidos por duas mulheres) é uma nação das mais antigas do continente europeu. Sua história remonta aos tempos dos antigos celtas, povos indo-europeus que povoaram quase toda Europa, mas a tradição conta que eles são os legítimos herdeiros dos lendários e temidos Vikgs, grandes viajantes dos mares que ocuparam toda a Escandinávia (Suécia, Noruega, Dinamarca) a partir das últimas décadas dos anos 700 da Era Cristã. Os Vikgs passaram à história como grandes navegadores, guerreiros e sanguinários. De serem grandes navegadores, não se tem dúvida, mas do resto pode ser uma extrapolação, uma reação atemporal da sanha comercial e exploradora daquela gente (eles e seus barcos estiveram em todas as regiões da Europa e, até, da América do Norte - isso ainda nos anos 1000 DC).

Voltemos ao país Dinamarca, suas terras, sua gente, seu estilo de vida. É um país magnifico, com excelente infraestrutura, habitado por um povo generoso e trabalhador.

A primeira coisa que vi na Dinamarca, foi a Legolândia. Binllud é o aeroporto em que pousou o avião da Lufthansa, que me trouxe de Frankfurt. Também é a cidade onde fica situado o parque temático da fabrica da Lego, colado à pista de pouso dos aviões. Quem baixa lá, inevitavelmente sobrevoa o famoso parque. Eu fiz isso no dia 08 de julho de 2019, para uma temporada de aproximadamente 45 dias em terras vikgs. Um presente de dinamarquês¹ que ganhei de Ana, Henrik, Lukas e Nicole.

A primeira semana foi uma massagem na visão e na alma. Fiquei hospedado na casa de campo gentilmente cedida pelo casal Sanne e Steen Bjerno. A casa fica as margens de um dos braços do fiorde de Lim (Limfjorden), de frente para a ilha de Mors. É um lugar paradisíaco. Fui agraciado com um café da manhã  numa casa de vidro, que repousa abraçada por uma exuberante cerca verde que circunda todo o terreno da construção, e onde repousa majestosa uma cerejeira repleta de frutos maduros. Uma de minhas aventuras nesse paraíso foi pilotar um cortador de grama a baixíssima velocidade. Houve até quem perguntasse se eu era o mesmo que pilotava uma Mitsubish a 150 km/h no Brasil, tamanha era a minha lerdeza na pilotagem do pequeno veículo equipado com motor de dois tempos. O esposo da questionadora aproveitou a ocasião para me ensinar como se deve pilotar um cortador de grama na Dinamarca. Apesar do esforço e dedicação do instrutor, confesso que não assimilei muita coisa. O brinquedinho é coisa para profissional. Eu me conformei com minha lerdeza. Conclui o corte da grama no tempo suficiente para se cortar 5 ou 6 vezes aquela área.
FONTE: Google Maps

Depois da casa de campo, brotou em mim o espírito viking. Foram sete dias singrando os mares interiores (Fiorde de Lim) em um Bianca 27. Bianca é um barco de duas velas, tido na Europa como um dos mais estáveis de sua categoria (assim afirmava a pirata-mor, que frequentemente manobra com desenvoltura seus molinetes automordentes). 

A bordo do Bianca, cortamos grande parte do Fiorde de Lim. Na ilha de FUR, visitei uma cervejaria artesanal. Lá, experimentei uma dezena de tipos de cerveja. A degustação foi ao lado dos tanques resfriados, onde se preparava mais cerveja. Fur é uma ilha pequena, mas que guarda um passado geológico gigantesco. Um cantinho da mãe-terra em que a natureza conspirou para que o lugar abrigasse uma quantidade significativa de animais fossilizados. De repente, eu me vi como um Ernst Stromer² tupiniquim, prospectando o interior daquelas pequenas montanhas à procura de uma espécie qualquer que tenha estado ali, onde eu estava naquele momento, há 100 milhões de anos. Busca infrutífera - eu só encontrei rochas com filetes grafados que pareciam ramos de alguma plana antiga e nada mais. Ana, Henrik, Lukas e Nicole tiveram a mesma sorte que eu. Aproveitamos e fomos ao museu local contemplar uma quantidade enorme de fósseis encontrados na região por outros visitantes mais afortunados que nós.  

O Bianca não é tão rápido como outros barcos semelhantes (lembrava-me aquela comandante das velas da nau), mas para que pressa, se o que queremos num lugar como aquele é admirar a beleza que a natureza, com tamanha generosidade, nos oferece. E beleza se percebe rapidamente, mas requer tempo de contemplação para que seja entendida em sua plenitude. O charmoso Bianca me deu as duas oportunidades. A propósito, numa dessas oportunidades em que cruzávamos o fiorde, quando o Bianca já estava sendo abraçado pelos ventos e cortava um mar ligeiramente encrespado, eu fui instado a assumir o controle da embarcação. Num primeiro momento eu percebi que não era tão fácil como parecia ser, mas encarei as ondas e peguei para mim o abraço dos ventos. O Bianca sentiu o tranco e se superou na velocidade. Não vou relatar aqui a reação daquela famosa pirata a bordo, de quem falei antes. A cena não condiz com a coragem e frieza de uma legítima e intrépida personagem da bandeira negra. Só posso dizer que a pequena sereia de olhos azuis e cabelos repletos de cachos dourados, que fazia parte da tripulação, demonstrou muito mais coragem e bravura. O pequeno capitão, também a bordo, não esboçou medo algum. Foi emocionante quando a borda da lateral (estibordo) do Bianca beijou a superfície fria do mar.

No final dos sete dias de caça aos ventos, o destemido Bianca voltou para casa, na marina de Hvalpsund, de onde só sairá no verão de 2020.

Durante os quase dois meses em que estive na Dinamarca, andei por vários lugares. Fui da fronteira sul (para ser mais exato, da cidade de Flensburg, na Alemanha, onde fomos passar o dia e aproveitar para comprar cerveja mais barata que na Dinamarca) até Skangen, no extremo norte do território dinamarquês, num lugar chamado "galho" - pequena faixa de areia que avança entre as águas do Mar do Norte (à esquerda) e as do Mar Báltico (estreito de Categate, à direita), apontando para a cidade sueca de Gotemburgo, no outro lado do estreito. Os sistemas de ventos e correntes marítimas dos dois mares criam ondas em sentidos opostos. Essas ondas se digladiam em uma linha reta que avança mar a dentro, formando um fenômeno único e belo numa região por si só lindíssima. Lugar em que ventos fortes sopram a todo instante. Aliás, o que muito me chamou a atenção foi a quantidade de pás de energia eólicas no país. Elas são vistas em todo o território. Parece plantações.

Egeskov Castle      -                            FOTO: M.J/ 2019
Cruzei o país de lesta a oeste. Estive na cidade de SONDERVIG (no litoral do Atlântico, de frente para a Inglaterra. Esse passeio foi um presente do casal Steen e Sanne). Em Sondervig, eu fui a uma exposição de escultura em areia. Figuras gigantescas em areia prensada formavam muralhas de até 5 metros de altura, ou mais. Também nessa cidade banhada pelo Mar do Norte eu pude conhecer uma quantidade gigantesca de 'bunkers' (fortificações com paredes espessas (até 2 metros em concreto maciço), construídos por ordem de Hitler para abrigar seus soldados invasores, que vigiavam a navegação no Atlântico Norte durante a Segunda Grande Guerra. Cruzando a parte continental da Dinamarca (JUSTLAND), eu conheci a cidade de ODENSE, na ilha Fiónia (Kyn), Não atravessei o "grande cinturão" (ponte) que leva à Zelândia (Sjaelland), ilha que abriga a capital, Copenhague. Odense é a cidade natal de Hans Christian Andersen, o autor de vários contos infantis, dentre eles: o Patinho Feio, A Pequena Sereia, A Princesa e a Ervilha, A Roupa Nova do Rei. Andersen é uma unanimidade na Dinamarca, e os lugares onde ele nasceu e residiu são muito bem conservados. Existe, inclusive, um moderno e belo museu dedicado à sua obra. Odense, por sua vez, - com suas ruas em paralelepípedos, seu casario no estilo enxaimel (fachwerk, em alemão), suas belas praças e jardins - é uma obra de arte à altura do filho ilustre que deu à humanidade. No sul da ilha Kyn, fica o "EGESKOV CASTLE" (Egeskov quer dizer floresta de carvalho), com seus mobiliários antigos, salão de caça, salão de armaduras e outros ambientes representativas do estilo de viver de 500 anos atrás.

Foram lugares marcantes, mas o que me traz maior impressão de toda essa viagem é a região onde fiquei hospedado e onde mora minha filha Ana, com seu marido e dois filhos nascidos lá. SILKEBORG é uma cidade de pequeno para médio porte, cercada de verde e muitos lagos. São lagos de tamanhos generosos. Inclusive naveguei um deles, em um barco a vapor, impulsionado por duas rodas d'águas - uma em cada lado -, construído no século XIX. Fiz um percurso de mais de 10 quilômetros e ainda sobrou lago a ser navegado. Foi um passeio cercado de história e belas paisagens. Às margens desse lago, fica o museu da cidade de Silkeborg. Foi lá que eu estive frente a frente com o homem mais velho de que se tem notícia (sic). Explico: O Homem de Tollund é o corpo de um homem que foi enforcado no século IV antes de Cristo, e jogado no pântano de uma região chama de Tollund. As condições ambientais (baixa variação de temperatura e elementos químicos presentes no pântano) funcionaram como um processo natural de mumificação e, em 1950, o corpo foi achado em bom estado de preservação. A falta de cuidado posterior à descoberta deterioram parte do corpo da múmia. O que se encontra hoje no museu é a reconstrução de como ele foi encontrado, tendo como original apenas a cabeça. Eu estive ao lado de sua caixa de vidro, e fui fotografado por Nicole Marie de Castro Lindberg (foto).

AARHUS (o encontro AA tem um som próximo do O) é a segunda maior cidade da Dinamarca, menor apenas que a capital, Copenhague. Fica a pouco mais de 50 km da casa de minha filha, Ana. Estive lá em duas ocasiões. Uma, em visita a uma exposição internacional de veleiros antigos ou construídos como tal (visitei o Cisne Branco, da marinha brasileira, construído em Amsterdã para a comemoração dos 500 anos do descobrimento); e outra, para participar de uma corrida de rua (no meu caso, foi uma caminhada à beira-mar). Avistei o Cisne Branco pela primeira vez do alto de uma roda-gigante instalada duas ruas antes do cais de Aarhus. Foi minha filha que notou três bandeiras enormes do Brasil tremulando no alto de seus mastros.

FOTO: Fulvio Paleari/2017
Em EBELTOFT, outra cidade também às margens do Báltico, eu escalei as cordas que cruzam os mastros de uma antiga fragata que embeleza um museu náutico. A Fragata Jylland, toda de madeira, beira os 200 anos. E enorme, e subir seu mastro principal, como faziam os velhos lobos dos mares, foi um desafio encarado por mim e por Henrik. Ana e meus netos Lukas e Nicole ficaram em terra firme, orando para que voltássemos bem da travessura de piratas.

Os modernos dinamarqueses são tidos como descendentes dos vikings, mas o período que esse povo dominou o território hoje ocupado pela Dinamarca foi muito pequeno (quem me chamou a atenção para esse detalhe foi genro Henrik Lindberg), comparados com os períodos dos outros povos que por lá viveram . Os celtas, por exemplo, habitaram aquelas terras por mais de o dobro de tempo que seus sucessores vikings. Se é verdade que os dinamarqueses de agora são descendentes dos vikings, então não é certa a visão construída em relação àqueles senhores dos mares, que os descrevem como bárbaros, sanguinários, guerreiros e ferozes. Os Dinamarca que eu conheci é habitada por uma gente, educada, simpática, muito afável no trato e extremamente leal. A impressão que tive era de que não estava num pais vizinho da Alemanha, Holanda, Suécia e Noruega, nações que nos deixam uma imagem de insensível e frios (no sentido não pejorativo) nos relacionamentos sociais, especialmente com pessoas não nativas.

HOLANDA

Há! Ainda me sobraram aventuras... Peguei um avião em Binllud com destino a Londres. Não exatamente Londres, foi para o aeroporto de Londres Stansted, onde passei a noite. No dia seguinte peguei outro avião com destino a Eindhoven, Holanda, para uma temporada de 12 dias. Fiquei em Helmond, na casa de minha irmã Cristina. Ela mora no sul da Holanda, perto da fronteira com a Bélgica e Alemanha. Aproveitamos uma tarde de muito sol para irmos tomar uma cerveja e um café no leste da Bélgica, numa cervejaria artesanal dentro de um antigo convento católico (Fazenda Esperança), assim mesmo, em um bom e acessível português. Era assim que estava escrito no muro do convento que guarda uma igreja monumental, construída em tijolos aparentes.

Haia foi um sonho de criança. Cresci ouvindo meu pai falando do famoso discurso proferido por Rui Barbosa durante a Segunda Conferência Internacional da Paz de 1907, em Haia. Pelo desempenho e erudição apresentada naquele evento, Rui Barbosa passou à história como o "Águia de Haia", expressão forjada pelo Barão do Rio Branco, então Ministro das Relações Exteriores dos Estados Unidos do Brasil³. Fiz um tour pelos corredores do Palácio da Paz, que abrigou aquela e muitas outras conferências internacionais voltadas à paz mundial. O busto do nosso glorioso brasileiro repousa numa passagem que nos conduz ao salão principal, onde Rui surpreendeu o mundo com sua erudição, inteligência e domínio das questões que envolviam as nações de sua época. É o único brasileiro homenageado pela instituição. Detalhe - não fiz fotos do interior do palácio. É proibido. Logo na entrada somos obrigados a guardar todos os pertences (principalmente equipamentos eletrônicos) num armário com senha gerada por nós mesmos. Ainda somos convidados a passar por um detector de metais para assegurarmos de que não conduzimos nada que possa quebrar a tradição de não se puder fazer fotos do seu interior. Um pena! ... Tudo lá é muito bonito. Colunas de mármore, escadas largas e bem talhadas, obras de arte de todos os cantos do mundo espalhadas por paredes, corredores, jardins e teto do Palácio. No jardim central da construção repousa uma escultura em mármore, doada pelo Reino da Dinamarca. Não lembro muito bem, mas parece que são sereias, em alusão ao filho famoso dos herdeiros dos vikigs.


"Oh! Viajar! Viajar! - É, na verdade, o destino mais feliz! E por isso viajamos, todos nós, tudo viaja em todo o Universo! Mesmo o mais pobre ser possui o cavalo alado do pensamento e quando fica fraco e velho, então toma-o a morte consigo em viagem, viajamos todos!"
Hans Chistian Andersen.
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  1. Presente de Dinamarquês: o oposto ao de grego.
  2. Ernst Freiherr Stromer von Reichenbach (1871 - 1952) foi um famoso paleontólogo alemão, que fez importantes descobertas de fósseis de dinossauros no Egito, em 1910.
  3. O Brasil só se passou a ser chamado de República Federativa do Brasil em 1968, após a Constituição de 1967.

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