domingo, 28 de outubro de 2012

NOVOS TEMPOS

Houve uma época em que a delicadeza, a beleza e, em especial, a inocência eram elementos essenciais a toda e qualquer manifestação humana. Em Pilões, essa época e esse tempo não foi vivido de outra forma; - a convivência delicada, bela e inocente foi traço marcante do seu povo durante aquela travessia.

Lembro-me bem das charmosas Lambretas italianas que cruzavam as ruas de Pilões com seus pilotos trajando calças de tergal com vínculo bem definido, camisas de tecido xadrez com dois ou três botões abertos para mostrar-lhe o peito, uma bota de couro a meio-cano sempre bem lustrada. Aqueles jovens aceleravam suas máquinas com a suavidade dos vitoriosos, dos inocentes. - O importante era deslizar no calçamento ouvindo a "voz afinada" daquelas italianinhas, e sentir, além do vento que lhes desarrumava as cabeleiras, o burburinho daqueles olhos, bocas e ouvidos sempre atentos, admirados e desejosos. - Empinar; fazer mirabolantes manobras; sair em disparada? ...Ah! Isso não. Bastava àqueles jovens degustar o momento, viver aquele instante mágico.

Lembro-me ainda das Rodas Gigantes, dos Carrosséis e seus cavalinhos saltitantes, das Canoas, do 'Tiro ao alvo' que ocupavam as praças de minha querida cidade todos os anos, povoando nossas mais ocultas imaginações. Quem não desejou - estando acompanhado do seu 'bem' - que a Roda-Gigante parasse no ponto mais alto? É raro encontrar alguém, que viveu aquela época, que não tenha se aproveitado do momento do 'Tiro ao alvo' para chegar mais próximo da pessoa amada, tocar-lhe as mãos (o que era uma grande ousadia)  com a desculpa de estar-lhe ensinando. Ainda brilham em minhas lembranças aquele chapéu de palha colorido; a haste de madeira toda trançada com fitas multicoloridas que os rapazes levavam agarrada ao braço; o bilhetinho trazido pela "estafeta"; os acordes da Jovem-guarda extraídos das cordas da guitarra de Elpídio, os alto-falantes do Parque anunciando mais um amor inocente. Não dediquei música a ninguém, mas via nas canções oferecidas através do serviço de som do Parque de Diversão o ponto alto da inocência daquela época.

Sinto falta do zumbido dos foguetões rasgando os céus numa trajetória sinuosa, mas sempre buscando o infinito, para lá descarregarem suas energias na forma de sete cadenciadas explosões. Quando explodiam, faziam isso tão alto que pouco ou nada incomodavam. Havia, é verdade, o perigo que a haste de madeira representava ao regressar de sua missão. Durante tal regresso, inclusive, se assenhoreava da atenção de todos que ficavam tentando adivinhar o local do seu repouso derradeiro. Soltar foguetões era o máximo a que se permitia a sociedade daquele tempo. Tinha lá seus riscos, mas também, seus encantos.

Hoje, as barulhentas motos e seus acrobáticos pilotos assustam o pedestre pelas ruas de Pilões; A Roda Gigante, os cavalinhos do carrossel e tudo que outrora enfeitavam qualquer festa foram relegados a um canto qualquer, como se não fossem bem-vindos aos NOVOS TEMPOS. Toda inocência foi substituída por valores modernos que estão conduzindo a nossa sociedade por um caminho que não reconheço, que não confio, que não entendo.


Pior destino teve o velho e charmoso foguetão. Em seu lugar, a sociedade de hoje solta pistoletas. Isso mesmo, pistoleta com 'p' minúsculo para combinar com o "charme" que essa coisa barulhenta encerra. As pistoletas, se elas pretendem chamar minha atenção, o máximo que conseguem de mim é um gesto no sentido de proteger meus ouvidos de suas desagradáveis explosões. Faltam à pistoleta o som da arrancada inicial do foguetão, seus tiros distantes e roucos, aquela imagem instigante da haste decadente. Falta à pistoleta o charme de outrora.

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